
Foto: @gustavofean
Desde a estreia no Rio de Janeiro, do aguardado show de Caetano Veloso e Maria Bethânia, vemos uma série de opiniões sendo vinculadas nas redes sociais. Obviamente, muitos estão emocionados e realizados com as apresentações, mas há alguns pontos que precisam ser vistos com atenção para entendermos totalmente algumas situações que ocorrem nesse show.
Alto astral, altas transas, lindas canções:
Colocar 50 anos de história musical em um setlist é uma tarefa difícil, ainda mais, quando se trata de dois artistas com obras grandiosas, tanto em quantidade, como em qualidade e importância. A escolha de músicas, no geral, me pareceu assertiva. Clássicos como “Odara“, “Gente“, “Tudo de novo”, “Doces Bárbaros“, “Reconvexo“, “O Leãozinho“, “Sozinho“, “O quereres” e “Um índio” caíram muito bem, embora a falta de “Purificar o subaé” tenha sido sentida. Pra mim foi gratificante ver “Brincar de viver” e “As canções que você fez pra mim” no solo de Bethânia, mais ainda, “Você não me ensinou a te esquecer” e “Você é linda” no solo de Caetano, não imaginaria que ele ia incluir essas, visto que esta última ele mesmo já havia declarado há alguns anos que estava enjoado de cantar, ainda bem que ele mudou de ideia.

A inclusão de “Samba de dois dois” ficou excelente na interpretação dos irmãos assim como “A donzela se casou” música de Moreno Veloso e a linda citação de “13 de Maio“. Houve ainda um bloco inteiro dedicado à escola de samba Mangueira, que veio muito a calhar nos shows do Rio de Janeiro, mas acredito, que devem ser modificados nos shows em outros lugares. Algumas canções nunca antes haviam sido cantadas pelos dois, Bethânia nunca havia cantado “Cajuína” e Caetano embora compositor nunca tinha colocado sua voz em “Motriz” e “Eu e água“. “Gita“, “Onde o Rio é mais baiano“, “A tua presença morena” e “Não identificado” foram outras canções, outrora já cantadas individualmente, que nesse show ganharam duetos. “Baby” e “Vaca profana” ganharam versões emocionantes em homenagem à inesquecível Gal Costa.
Gilberto Gil também foi lembrando com carinho em “Filhos de Gandhi” e “Marginália II”. Mas a grande e agradável surpresa ficou por conta da versão de Caetano e Bethânia para a música “Fé” de IZA, mostrando que os irmãos Veloso estão sempre atualizados com os novos cenários da música brasileira.
Quem é ateu e viu milagres como eu:
“Católicos de Axé e Neopentecostais, nação grande demais para que alguém engula…”
Além da canção de IZA tratando do tema fé, tivemos outra surpresa, que dessa vez dividiu o público: Caetano cantando o hino gospel “Deus cuida de mim“, – conhecidíssima no mundo evangélico neopentecostal, a canção foi composta pelo pastor Kleber Lucas e já havia ganhado uma versão cantada por ele e Caetano. Muitos fãs ficaram desapontados ao ver a canção no show, mas há uma explicação para isso. Pode parecer desconexo um hino gospel no meio desse show comemorativo de Caetano e Bethânia, mas não é. Zeca e Tom, filhos de Caetano, são evangélicos desde a infância. Embora ateu, Caetano vê com bons olhos a influência da religião nos filhos e disse que isso foi muito importante para ele mesmo rever suas próprias crenças e convicções. A canção todavia, não foi a única religiosa no show. “Milagres do povo” tem uma letra cheia de referências aos orixás e “Dedicatória” é uma homenagem à Ialorixá Mãe Menininha do Gantois, figura central na luta pela liberdade do culto das religiões de matriz africana, personalidade conhecidíssima da vida Baiana.
Com o crescimento dos evangélicos no país, a constante batalha política para conquistar esse público que como qualquer outro tem tudo de bom ou ruim, Caetano novamente vê além do próprio tempo e enxerga a importância de incluir no show todos os grupos que constroem o país, os “ateus que viram milagres”, o axé de Mãe Menininha até o louvor do pastor Kleber Lucas.
Tempo, tempo, tempo, tempo…
Outro ponto que foi alvo de críticas, foi o fato de Caetano e Bethânia estarem cantando enquanto frequentemente olhavam para o chão, obviamente vendo o trecho de alguma canção. Bem, embora isso seja incômodo, é preciso lembrar que Bethânia tem 78 anos e Caetano 82, o setlist conta com mais de 30 canções, não podemos exigir que dois senhores com idades mais avançadas decorem perfeitamente tantas letras. Apesar disso, suas vozes estão ótimas, principalmente a de Bethânia, que ouso dizer, soa melhor a cada ano. Todavia é preciso reconhecer, de fato os dois pouco moveram-se pelo palco, seria interessante vê-los mais soltos, dançando os sambas de rodas, batendo palma e tudo mais.
Baby, eu sei que é assim
Por fim, concluímos que embora tendo alguns acidentes de percurso – naturais num espetáculo que tem tantas expectativas – os primeiros shows da turnê, entregaram um setlist coeso na sua maioria e interpretações ótimas de Caetano e Bethânia. Tenho a impressão de que ao decorrer das próximas datas, esses pequenos erros na composição do show, devam ser corrigidos e diminuídos cada vez mais.