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“Noturno” – por Rafael Lima Furst.

Mentira noturna de bar Bar,

tristonho sindicato

De sócios da mesma dor

Bar que é o refúgio barato

Dos fracassados do amor”

É dessa forma que termina a primeira música do álbum “Noturno”, que dá o tom inicial do álbum, “Bar da Noite”, música resgatada do repertório da brilhante Nora Ney. Noturno é mais um dos álbuns íntimos de Bethânia, um álbum com uma veia teatral e poética melancólica. Lançado em 2021, o álbum retrata muito bem o tempo em que ele foi lançado, um tempo cinza mas com uma esperança.

Ele faz a rota contrária do show que antecede, “Claros Breus”, que começava alegre (Claro) e ia ficando mais melancólico (Breu), esse álbum é quase como se fosse o segundo ato do show, em uma rotatividade cíclica, quando um termina o outro começa, afinal como a própria intérprete já cantou durante a sua carreira a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste, mas ao mesmo tempo a tristeza (esta senhora) não tem fim. Noturno é um álbum com diversas camadas assim como todos os outros álbuns de Bethânia.

Bethânia encarna o próprio sertanejo na música composta por seu sobrinho, Zeca Veloso, “O Sopro do Fole”, uma reverência ao Brasil sertanejo que tanto ela já cantou, Zeca em entrevista já mencionou que a maior inspiração para fazer essa música foi a própria obra de Bethânia. Passando pela religiosidade e baianidade nas canções “Lapa Santa” e “De onde eu Vim”, que aqui já ganharam um certo tipo de resquício de luz e cor. Em “A Flor Encarnada”, escrita por Adriana Calcanhotto, Bethânia se enobrece ainda mais, e comprova a sua fama de rainha dos intensos. Outra canção que segue essa mesma linha é “Vidalita”, onde Bethânia canta em espanhol. “Prudência”, música do ilustre Tim Bernardes, que já se provou em poucos anos de carreira ser também um intenso, na voz de Bethânia ganha um êxtase, uma dor que é boa de se sentir, uma dor de dentro para fora de explodir os corações de quem escuta.

“Música Música”, que fala sobre essa arte que Bethânia tanto tem intimidade não à toa em seus estribilhos essa entidade que é a música chama a intérprete para cantar, “Chama pra cantar a bem-aventurada música da esperança e tudo em mim festeja, abraça e dança”, essa é uma verdadeira bandeira que Bethânia carrega neste álbum e acredito que em toda a sua carreira.

“Cria de Comunidade” e “2 de Junho”, são canções com um teor político claro porém que são abordados de formas diferente, a primeira, escrita e cantada também por Xande de Pilares, é uma música forte e alegre um samba interpretado lindamente por Xande e Bethânia, a segunda música “2 de Junho”, conta a história real do menino com nome de anjo, Miguel, que teve sua vida interrompida pelo racismo estrutural neste país negro e racista.

O álbum se encerra com a música “Luminosidade” e com um fragmento do poema “Uma pequenina luz”, trazendo uma esperança da noite se tornar dia, da sombra se transformar em luz.

Escutar Bethânia neste álbum é como estar em um “Bar da noite” em uma “Lapa Santa”, e de repente sentir/ouvir a intérprete que esbanja nos seus aproximadamente 1,60 de altura “Uma Pequenina luz” com quase 3 metros de altura/intensidade. Essa luz é Bethânia, uma luz em um tempo “Noturno”, um tempo que clama por “Prudência”, mas como pedir por isso para alguém que canta uma “Música Música” emitindo em sua voz um “Sopro de Fole” como se fosse a própria “Flor Encarnada” que encanta a todos seja com uma “Vidalita” na Argentina ou com um samba lá “De onde eu Vim” , samba que alegra os “Cria da comunidade” e traz “Luminosidade” para tempos sombrios, até mesmo em um dia “2 de Junho”.

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