Diante da realidade, uma nesga de doçura toca a vida. Os olhos ardentes e secos pela fumaça tóxica e gananciosa que tristemente acinzenta os céus do país deram lugar ao brilho e ao encantamento, enfeitiçados por uma magia que merece ser lembrada.

O deslumbramento pela menina de Oyá, descendente do bendito ventre de Dona Canô — que também deu abrigo ao menino ateu que crê mais que muitos tementes, pedindo que Deus o cuide — por toda a vida, mãos sempre entrelaçadas com sua Maria Bethânia, não aquela dona do engenho, longe disso, mas a Maria que sonhava em ser trapezista ao brincar com o irmão mais velho de faquir deitados sobre as árvores da cidade de Santo Amaro, protegida por Nossa Senhora da Purificação.
Em meio a tantas lembranças daquela noite, não uma, mas várias canções me consolam. Afinal, com alegria, alegria, eu vou amor, amar, por que não? Em um coração que explode e motiva o brincar de viver, visto-me de artista ao sorrir todas as vezes que essa vida de tanta luta e mazelas diz não.

Caetano entoa a canção sozinho, acompanhado em uníssono por milhares de vozes que se curvam quase em oração à sua voz e violão. O homem dá lugar a um menino de olhos encantados pelas luzes acesas. Com toda certeza, sua paixão pela vida, pela arte, por essa gente, brilha no céu de uma cidade que ele mesmo renomeia como um belíssimo horizonte.
Como um objeto não identificado, sou arremessada ao espaço sideral e, de lá, do alto, ouço de um Caetano futurista, quase profético, que um índio desceu de uma estrela colorida e brilhante, revelando a verdade, o óbvio.
Olhos permanentemente emocionados desejam que o tempo — esse senhor tão bonito, um dos deuses mais lindos — quando me for propicio recarregue meu espírito com um brilho que seja sempre definido pela fé. Fé para quem é forte, para quem é foda, a fé que enfrenta tantos filhos da puta, pois meu sonho é viver em um reconvexo de amor, arte e de gente feita para brilhar ao invés de morrer de fome, pois só assim tudo será joia rara, Odara.

Aos filhos de Dona Canô, minha reverência, em um suave estado de flutuação. Obrigada por tornarem delírios tão reais.
Elaine de Jesus.